sábado, 1 de setembro de 2007

AS CRIANÇAS SOBREVIVENTES DA SEGUNDA GUERRA MUNDIA

As crianças da arca Yossef ben Shlomo haCohen

Com a explosão da Segunda Guerra Mundial, dois mundos diferentes se juntaram, quando quinhentas crianças judias foram hospedadas por famílias cristãs, no interior britânico. Há mais de sessenta anos atrás, uma onda de anti-semitismo invadiu a Europa. Junto a esta onda tempestiva, havia uma "Arca" não muito conhecida, um refúgio para algumas das sofridas crianças judias. A historia desta Arca começa em Londres, no dia 31 de agosto de 1939, três dias antes da explosão da guerra contra a Alemanha. O governo britânico decidiu evacuar todas as escolas de Londres, por questões de segurança, para o interior da Inglaterra. De acordo com o plano, cada escola em Londres seria transferida para um vilarejo onde as crianças seriam hospedadas nas casas dos habitantes locais. Porém, os preparativos exatos para o alojamento, alimentação e outras necessidades só seriam providenciados depois que as crianças chagassem, pois o governo queria guardar segredo em relação a essas escolas até o dia da evacuação de emergência. Uma destas escolas era a Escola Secundária Judaica (Jewish Secondary School), observante da Torá, com quinhentos estudantes. Alguns deles foram criados na Inglaterra e outros eram crianças refugiadas que tinham chegado recentemente da Alemanha e Áustria (na maioria dos casos, essas crianças refugiadas chagavam sem os seus pais). As crianças dessa escola judaica, junto ao restante da equipe, foram enviadas ao vilarejo de Shefford e seus arredores. A doutora Judith Grunfeld, diretora da escola, descreveu a experiência em seu livro "Shefford": "As Crianças de Israel" era, para a maioria dos habitantes do vilarejo, somente um termo bíblico que trazia à mente uma imagem de caravanas que perambulavam pelo deserto, em direção à Terra Santa. Uma senhora temente a D`us, quando soube quem havia chegado, chamou seu marido, alvoroçada: "Tom, venha logo! As crianças de Israel da Bíblia estão aqui". Outros associavam a palavra "judeu" a comerciantes, ou haviam adquirido uma imagem dos judeus lançando chifres em suas testas. "Mas vocês não têm chifres!", disse uma mulher verdadeiramente surpresa a um dos meninos que acolheu em sua casa" . Professores e ajudantes me contaram das grandes dificuldades que nossas crianças encontraram quando chegaram em seus lares adotivos. Em todas as casas havia uma refeição de boas vindas com comidas especiais que foram preparadas especialmente para elas.

Os pais adotivos e suas próprias famílias observavam ansiosamente o novo habitante de sua casa e animadamente antecipavam como fariam a primeira refeição: uma omelete com presunto, sinal de boas vindas que fora preparado para elas com muito amor e carinho. Em todos os lares a mesma história se repetia. A criança, tímida e cansada, não tocava na comida, sacudia a cabeça e dificilmente bebericava algumas gotas de chá. Elas mostravam sinais de embaraço. Algumas ainda conseguiram dizer palavras como "obrigado", que vinham de seus corações, mas mesmo assim acabaram criando uma atmosfera de desapontamento e frustração nas casas em que estavam hospedadas e no vilarejo... Mais tarde, foi explicado que aquelas crianças foram educadas a observar as leis dietéticas de acordo com a Bíblia e que algumas delas tinham acabado de vir da perseguição nazista e não falavam inglês, estando conseqüentemente incapazes de explicar porque recusavam aquela deliciosa refeição que lhes fora preparada com tanto cuidado e amor, porém estavam verdadeira e sinceramente gratas por toda a bondade que os habitantes demonstravam a elas.

Desentendimentos religiosos Os habitantes do vilarejo tentavam entender, mas encontravam dificuldades para aceitar aquelas "crianças estranhas". E a situação piorou com a chegada do Shabat. Quando o sol começou a se pôr, as crianças e seus professores se reuniram para cantar as rezas tradicionais do Shabat. Depois, comeram a refeição do Shabat que a escola preparou e, mais tarde, voltaram à casa de seus anfitriões. A doutora Grunfeld descreve o que aconteceu em seguida: "Johnny, ligue a luz enquanto eu seguro o balde", o fazendeiro chamou-o do estábulo para lhe mostrar suas vacas. "Sonny, tenho que ir até a estufa de plantas, venha comigo e segure a tocha para mim". "Jackie, coloque a chaleira no fogo, por favor, pois Granny quer uma xícara de chá". "Aqui tem dois xelins, corra até o bar e compre um maço de cigarros". Entretanto, as crianças não podiam fazer o que lhe pediam, pois não queriam violar as leis do Shabat. Os habitantes não entendiam por completo que as crianças guardavam essas leis e decidiram que não estavam mais dispostos a tê-las em suas casas. As crianças dormiam, mas os moradores não. No bar do vilarejo havia uma discussão... O próprio pastor estava desapontado. Ele esperava encher sua escola de domingo e encontrar novos membros para o coro da igreja. Os vizinhos se reuniram e, na manhã seguinte, só havia um assunto sendo comentado no vilarejo. Todos concordavam em não mais aceitar esta mentira. Eles foram enganados ao cumprirem seu dever nacional. Eles queriam levar aquelas crianças para suas casas, seus corações, suas igrejas e escolas de domingo. Queriam torná-las parte de sua própria família. Com aquelas crianças, porém, isso era simplesmente impossível. Elas eram totalmente diferentes do que eles esperavam e algumas delas choravam o tempo todo. Elas não conseguiam se comunicar, mas tinham os olhares de animais caçados. As maiores, muitas delas charmosas e educadas, falavam e riam em línguas diferentes e não comiam nada além de pão e bebiam somente limonada. Não se reuniam nas rezas, tinham livros estranhos em suas malas, quadrados de algodão com franjas por baixo de suas camisetas. Tudo parecia uma verdadeira confusão. "Devemos organizar a volta delas para Londres e trocá-las por crianças de nossa própria raça e fé". Enquanto os habitantes da vila estavam chateados, as crianças, inconscientes de todo o inconveniente que causavam, dormiam pacificamente nas variadas casas onde a revolta se formava.

Os sidurim (livros de rezas) estavam ao seu lado na cama, o Tzitzit (a roupa quadrada com franjas) balançando na cadeira, as kipot em suas cabeças. Elas desconheciam o plano que lhes dizia respeito. "Mas o guardião de Israel nunca dorme ou se descuida de seus filhos". Na manhã seguinte, o sol nasceu e as crianças acordaram. Algumas delas, já descansadas, tinham um sorriso cativante, outras acariciavam o cachorro ou o canário da casa, algumas tinham uma maneira adorável de dizer "muito obrigado" e pareciam tão patéticas que faziam qualquer coração se derreter. Elas eram muito honestas e possuíam boas maneiras... Embora fossem tão jovens, tinham um jeito especial de cuidar umas das outras e de seus irmãos e irmãs menores. Seus hábitos eram impecáveis, nunca pediam nada. Era muito estranho. Ninguém nunca soube dizer o que aconteceu, mas é um fato verdadeiro que, algum tempo depois, a senhora B. disse à senhora H. que a criança de quem ela cuidava se adaptou muito bem e a senhora H. respondeu elogiando também a menina de quem cuidava. O reitor e sua mulher, o reverendo e a senhora A. McGhee levaram suas sete crianças refugiadas para um passeio no zoológico de Whipsnade e se sentiram orgulhosos de si mesmos por terem meninos tão bem comportados como eles. Pouco tempo depois, via-se tzitzit recém lavados balançando no varal do belo jardim da casa da senhora K. e Moss, o dono da mercearia, adquiriu um suprimento de margarina casher, já que muitos clientes pediam por ela, pois "desta forma, Jackie (ou Freddie ou Bernard) poderiam comer um pedaço de pão com manteiga ao invés de comerem pão puro o tempo todo". E a senhora F. foi ao quarto de Simon para apagar a luz, pois "eu sei que o garoto dormiria com a luz acesa a noite inteira, pois hoje é o seu Shabat". À medida que os meses passavam, os habitantes se apaixonavam por suas "crianças judias".

Tornaram-se familiares com as tradições judaicas e começaram a respeitar as crianças por permanecerem leais às suas tradições e crenças mesmo estando num ambiente cultural diferente do delas. Afinal de contas, muitas das crianças eram refugiadas de guerra e seus pais, se ainda estivessem vivos, estavam nas mãos dos alemães. Porém, mesmo assim, as crianças permaneceram fiéis à educação religiosa que receberam de seus pais. Amizades que duram para toda a vida As crianças ficaram na vila por seis anos. Estes pais adotivos respeitaram a sua fé e religião e não foram missionários. Mais do que isso, começaram a encorajar seus refugiados a observar todas as tradições judaicas e os meninos a usarem suas kipot. Em Yom Kipur, uma das mães do vilarejo percebeu que sua filha adotiva não colocou os sapatos de pano ao invés de sapatos de couro. Esta mãe cristã tinha se familiarizado com as tradições judaicas e sabia que os judeus não usavam sapatos de couro naquele dia sagrado. Então, com voz segura, perguntou à jovem menina: "Por que você não coloca seus sapatos de pano?".

As amizades que cresceram entre as crianças judias e as famílias cristãs que as hospedavam durou por muitos anos, por muito tempo depois que as crianças deixaram Shefford. Como a doutora Grunfeld escreve: "Muitas pessoas vindas da América, Austrália ou de Israel, para visitar a Inglaterra vão a Shefford para ver sua antiga família e para dar uma olhada no vilarejo. Presentes e cartões com votos de boas festas, cartões enviando "saudações da estação" ainda chegam no pequeno vilarejo vindos de todos os lugares do mundo. Em muitos casamentos em Londres, um ano após a guerra, os antigos proprietários de Shefford são considerados convidados importantes e honrados entre os dos casamentos. Enquanto, no continente Europeu, crianças morriam de fome e eram massacradas durante estes anos deprimentes, o vilarejo deu às crianças alegria e uma calorosa recepção. Havia uma força dentro de nós que nos alentou e nos manteve alerta, e essa força foi gerada pelas horríveis notícias que vinham do continente. Sabemos que D' us, que nos mantém vivos, perguntará um dia: "Onde você esteve, e o que fez enquanto o seu povo foi jogado no inferno e Eu o mantive com vida?".

Tentamos responder a este desafio e construímos uma comunidade de crianças às quais ensinamos a viver de acordo com a Torá e a beber de sua fonte de água viva. Assim, tentamos construir um pequeno santuário enquanto muitos eram destruídos. A doutora Grunfeld descreve a escola secundária (Jewish Secondary School) como a "Arca de Noé" percorrendo as ondas da grande inundação de ódio contra os judeus na Europa. A história exemplar desta Arca serve como lembrete do fato de que, assim como Noach e sua família, somos todos filhos de um só D'us. E também nos lembra que, quando nós, as crianças de Israel, permanecemos fiéis à nossa própria herança e crença, não há limites para ganharmos a amizade e o respeito dos outros.

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